Artigos e Publicações

"Envelhecimento, plasticidade do cérebro e saúde", Giulio Vicini

Giulio Vicini, Mestre em Gerontologia, Psicólogo, terapeuta de Self-Healing, Massage Practitioner/Educator, autor do livro “Abraço afetuoso em corpo sofrido – Saúde integral para idosos”, editado por SENAC-SP.

Nosso cérebro perde cerca de cem mil células nervosas por dia a partir do começo da idade adulta. Isto significa uma perda mínima de peso cerebral (cinco gramas em cinquenta anos[1]). A perda pode ser significativa se for de células cujas funções vitais não podem ser desempenhadas por outras células. Sim, porque as células perdidas não são repostas; mas outras células cerebrais podem ser ativadas para compensar a perda cerebral ocorrida. Esta capacidade cerebral de adaptação ou compensação é chamada pelos neurobiólogos ou neuropsicólogos de “plasticidade cerebral”.

Estudos recentes mostram que esta capacidade plástica de nosso cérebro não serve apenas para compensar eventuais perdas ou danos e não ocorre somente durante o período de desenvolvimento cerebral (sobretudo na infância), como afirmava a neurobiologia/psicologia até uma dezena de anos atrás. Ela é sistêmica, isto é, a plasticidade cerebral é uma característica de nosso sistema cerebral, estando ativa, em qualquer idade, durante toda a vida.

Este fato, cientificamente consolidado, deve confortar não apenas as pessoas que sofreram algum tipo de lesão cerebral, mas sim todas as pessoas, na medida em que todos envelhecemos. Graças a esta característica sistêmica de nosso cérebro, podemos a qualquer momento empreender uma jornada de recuperação e manutenção de nossa saúde, despertando nosso cérebro para tarefas que tenha deixado ou esteja deixando de cumprir.

Senilidade não decorre de envelhecimento

A perda de células nervosas e de fluidos neurotransmissores, no envelhecimento, é um fato comprovado, mas não o é a relação desta perda com a redução das funções mentais. Isto significa que a senilidade (um estado de decrepitude física ou mental) não é uma conseqüência natural do envelhecimento (como até os dicionários às vezes sugerem), mas o fruto de alguma alteração orgânica específica que provoca em nós algum estado mórbido. Esta consciência, segundo Hayflick, surgiu principalmente com a conscientização das pessoas de que o Mal de Alzheimer, que produz um estado demencial e que afeta um número relevante de pessoas idosas, é uma doença e não uma consequência natural do envelhecimento. Hayflick chega a afirmar que “essa percepção significou mais para nossa compreensão do processo normal de envelhecimento do que qualquer descoberta laboratorial recente sobre o envelhecimento do cérebro humano”.

O que a plasticidade cerebral tem a ver com isso? É importante saber se nosso cérebro, apesar de sofrer, ao longo do tempo, um processo de envelhecimento é capaz de manter até o fim da vida as funções vitais que dele dependem. Para a recuperação de nossa saúde, também, não é absolutamente indiferente saber se temos condições, durante toda nossa existência, de ativar o cérebro para recuperar, ao menos em parte, funções perdidas em decorrência de danos sofridos.

Conceito tradicional de plasticidade cerebral

Joan Stiles, cientista da Universidade da Califórnia, em um artigo de revisão sobre plasticidade neural e desenvolvimento cognitivo (2000) refere-nos que a neuropsicologia/biologia tradicional acreditava que apenas o cérebro em desenvolvimento possuía uma capacidade transitória de reorganização plástica, que lhe permite reduzir os danos de eventuais lesões sofridas pelo cérebro. O cérebro adulto não teria esta característica, estando assim os adultos e os anciãos condenados a resignar-se diante de eventuais incapacidades decorrentes de danos cerebrais.

Novo conceito de plasticidade cerebral

No entanto, vários estudos realizados na década de ’90, seja em animais como em pessoas adultas mostraram que a plasticidade não é transitória (isto é, ativa apenas na idade do desenvolvimento), nem é somente reativa (estimulada na ocorrência de perdas devidas a danos cerebrais), nem apenas auxiliar ou compensatória (como se fosse apenas um processo não essencial ao próprio desenvolvimento do cérebro).

Stiles diz que quando se fala em plasticidade neural ou cerebral, queremos referir-nos a vários tipos de  funções. Quando nos referimos a um processo, plasticidade significa uma configuração dinâmica do sistema nervoso, que traz uma mudança estrutural ou funcional. Se referimos plasticidade a uma capacidade adaptativa, quer-se significar que a mudança observada produz um recrutamento de novos ou de diferentes recursos neurais, em decorrência de um fato externo (por exemplo, uma lesão ou uma estimulação da consciência cinestésica – vide adiante). Quando referida a um conceito de organização, plasticidade significa que o processo em que ela se dá é sistemático e não apenas devido ao acaso, como consequência de interações sistemáticas entre estruturas cerebrais e estímulos ambientais.

Pois então, todos estes significados do conceito de plasticidade neural ou cerebral são válidos não apenas para o cérebro em desenvolvimento como também para o cérebro maduro. Descobriu-se que a plasticidade não é apenas reativa a fatos externos (uma lesão, por exemplo), mas uma característica própria do sistema cerebral. Mesmo no cérebro em desenvolvimento, não há uma evolução passiva a partir de sistemas pré-determinados: ocorrem períodos de superprodução de células nervosas e de ligações sinápticas aos quais se seguem períodos de perda de neurônios e de sinapses. Isto porque o cérebro vai fixando padrões de funcionamento em decorrência de configurações estruturais próprias e também de condições de estímulos provenientes do meio. Estabelecem-se vias neurais competitivas e somente algumas delas são fixadas como padrão ao longo do desenvolvimento cerebral. Isto significa que, durante o desenvolvimento normal ocorrem mudanças adaptativas e plásticas que configuram padrões estruturais e de funcionamento cerebrais.

Há evidências de que a maior complexidade do cérebro maduro pode limitar a extensão de sua capacidade plástica; no entanto ela persiste ao longo da vida toda, não excluído o período da velhice.

Plasticidade cerebral e saúde

A ciência confirma agora o que as tradições médicas sempre souberam, isto é, que é sempre tempo de prevenir doenças e recuperar funções perdidas. De fato, podemos estimular e ensinar nosso cérebro, através de estímulos apropriados, para que ele descubra novos caminhos de funcionamento mais eficientes do que os que já possuímos ou do que aqueles que já perdemos por efeito de acidentes e incidentes que ocorrem em nossas vidas.

Meir Schneider, criador do método terapêutico Self-Healing®, aponta-nos alguns caminhos para a estimulação cerebral com intenção de manutenção e recuperação da saúde: a percepção cinestésica corporal pelo movimento (ativo e passivo), a massagem focada nas partes do corpo e a visualização (imaginação) do movimento. Ele nos alerta para o fato de que não podemos conhecer nosso corpo pelo intelecto, pois este é apenas um conhecimento externo sobre o corpo, qualquer que seja a teoria que escolhamos para entendê-lo.

O verdadeiro conhecimento do corpo se dá pela percepção cinestésica (sensação do movimento) do próprio corpo: mover é sentir e sentir é saber. Através da percepção sensorial do movimento (interno ou externo) de uma parte do corpo despertamos nosso cérebro para que atue sobre ela, registrando sua existência e sua presença aqui e agora, nas condições atuais, comparando-as com as que nossa memória e experiência anterior já possuía a respeito dessa mesma parte do corpo. Na fala de Schneider:

“Quando presta atenção a uma parte específica de seu corpo, você estimula os nervos que ligam aquela parte a seu cérebro – e, assim, você também estimula o cérebro. Prestar atenção ao que sente, a como sente cada parte do corpo, vai fortalecer sua consciência cinestésica”.

A melhor maneira para fazer isso, segundo Schneider, é movimentar-se de modos não habituais, pois desta forma, retira-se uma carga em excesso sobre algumas partes do corpo que ficam em atividades rotineiras (gerando insensibilidade) e permite-se, também, a outros nervos e músculos que não eram ativados começarem ou voltarem a funcionar.


REFERÊNCIAS

  1. Joan STILES. Neural plasticity and cognitive development. Developmental Neuropsychology, Lawrence Erlbaum Associates, 2000, 18(2), 237-72.
  2. Leonard HYFLICK. Como e por que envelhecemos. Rio de Janeiro: Campus, 1997, 366 p.
  3. Meir SCHNEIDER, Maureen LARKIN, Dror SCHNEIDER. Manual de autocura: método self-healing. São Paulo: Triom, 1998,Vol. I, 216 p. e 1999, Vol. II, 183 p.