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Depressão :" Trabalhando com Grounding " , Giulio Vicini

Por Giulio Vicini
Mestre em Gerontologia, Psicólogo, Self-Healing Massage Practitioner/Educator 

A sensação de contato entre os pés e o chão é conhecida em bioenergética como grounding. Esta sensação é devida a um fluxo de excitação através das pernas para os pés e o chão, sensação e excitação que variam de pessoa para pessoa. A pessoa enraizada sabe onde está e, portanto, sabe quem é. A pessoa enraizada tem contato com as realidades básicas da existência.

O assentar/fundamentar/enraizar é um conceito bioenergético e não apenas uma metáfora psicológica (“ter os pés no chão, ter bases sólidas”). É como ter um fio-terra que descarrega a energia do corpo.(através da movimentação ou do aparelho genital). A descarga é função da parte de baixo do corpo, enquanto a recarga é função da parte de cima (comer, respirar , receber estímulos sensoriais e excitações). Normalmente há um equilíbrio entre estes dois processos de carga e descarga: carrega-se em cima e descarrega-se em baixo. Os sentimentos movem-se para cima e a descarga para baixo. Se a pessoa não se carregar adequadamente, ficará fraca e descarregada, sem vitalidade. Se ela não se descarregar, ficará suspensa no ar, pendurada em ilusões.

A pessoa deprimida é uma pessoa ao mesmo tempo com falta de vitalidade e muitas vezes “suspensa” no ar (altos e baixos -bipolaridade).

Da euforia ao colapso

O estado de “suspensão” corresponde a um estado de falta de prazer e de dor, embora a dor não seja percebida conscientemente, porque a rigidez do corpo “suspenso” amortece a dor. Por isso, há medo de liberar a rigidez, pois a dor pode aparecer (além do medo sempre inconsciente de “cair”). A rigidez do corpo também limita o prazer, reduzindo a capacidade da pessoa relacionar-se com o mundo. Apesar disso, na falta de prazer, a pessoa “suspensa” é impulsionada cada vez mais para cima, a procurar algo que o substitua: dinheiro, fama, sucesso… A pessoa chega a um ápice de “suspensão” e, quando há o colapso da ilusão ou do sonho que a pessoa persegue, ela despenca para a depressão. Este processo ocorre normalmente de forma inconsciente, sem que a pessoa se dê conta de que está compensando com a busca de ilusões uma série de insatisfações/falta de vitalidade que vêm de longa data.

Ao se perder o prazer de estar vivo, restringe-se a respiração, o apetite diminui, assim como o interesse pela vida. Na pessoa “suspensa” o fluxo vital é reduzido; na pessoa deprimida o fluxo vital parece ter parado.

Sem fundamentação a vida espiritual é restrita

Ao enraizar a pessoa, a fundamentação faz com que ela ative suas funções animais básicas (corporais). São elas que permitem o fluxo de sentimentos e a energia para a cabeça, alimentando suas expressões espirituais.

“À medida que seus pés se apoiam no chão, seus braços se levantam para os céus, seus olhos se abrem para as glórias do universo e seu espírito ascende exultante com o milagre que é sua vida, sua consciência, o sentir-se parte de um todo. Esta elevação ascendente de sentimentos de alguém com raízes no chão é a sensação corporal equivalente a todos os sentimentos espirituais.” [1]

O processo de maturação

A pessoa sem fundamentação é como uma semente prematura que, ao cair no chão, não consegue enraizar-se por falta de maturidade. É como uma criança prematuramente separada da mãe; ela tenderá sempre a voltar para a mãe, para completar o processo de maturação e não aceitará fincar-se no chão para enraizar-se e crescer autonomamente (caracteres orais da psicanálise). Por isso, o processo de fundamentação é um processo que ajuda a pessoa a completar sua maturação (deixando de depender da mãe ou das pessoas das quais sempre esperou por tudo de que precisava, com a ajuda de um terapeuta).

Os bloqueios da respiração

A pessoa com baixa vitalidade, geralmente, respira de forma superficial, restrita, presa, sem profundidade. A onda inspiratória inicia-se dentro do ventre e se propaga para cima em direção à garganta e à boca. A onda expiratória faz o movimento contrário. Quando há áreas de tensão que bloqueiam a onda, os movimentos respiratórios tornam-se restritos e espásticos.

Se o ventre estiver flácido e as nádegas apertadas há poucos movimentos abdominais nos movimentos respiratórios. A respiração torna-se torácica ou diafragmática como fruto de um anel de tensão em volta da cintura. As tensões abdominais surgem para reprimir sensações sexuais[2], controlar as funções excretoras e diminuir a dor causada pelo choro persistente da criança que não consegue ser atendida pelos pais[3]. As tensões diafragmáticas são originadas pelo medo e produzem uma elevação das costelas inferiores.

Uma parede torácica rígida também reduzirá as sensações e os sentimentos associados com o coração (o amor não está livre), nesta parte do corpo, afetando a profundidade da respiração.

As tensões nos ombros, que inibem os movimentos naturais de pegar e de estender, também afetam a respiração, impedindo o movimento descendente natural da expiração e evitando uma expiração profunda, a qual evocaria sensações na pélvis. A pessoa fica como suspensa num cabide, elevando o centro de gravidade de seu corpo.

Há também inibições, ainda mais relevantes, nos músculos da garganta e do pescoço, as quais se desenvolvem para inibir choro e gritos, e que reduzem a absorção de oxigênio (pela contração), diminuindo o nível energético do organismo. Frequentemente estas tensões estendem-se para dentro da cabeça e da boca , fazendo parte de uma inibição do ato de sugar.(respirando, sugamos o ar).

Um outro anel de tensão pressiona a base do crânio: espasticidade dos pequenos músculos occipitais e dureza, na frente, da musculatura que movimenta a mandíbula. (contração da mandíbula gera sua posição retraída – falta de autoafirmação – ou proeminente – mandíbula desafiadora, não condescendente). Como as tensões da mandíbula incluem os músculos internos pterigoides[4], que se inserem na base do crânio, este anel de tensão bloqueia o fluxo de sensações do corpo para a cabeça.

Há outros padrões de tensão muscular crônica que perturbam as ondas respiratórias e bloqueiam o livre fluxo das excitações no corpo: espasticidade dos músculos longos das costas e das pernas; áreas de colapso, ou seja, áreas do corpo em que a rigidez apertada se quebrou por causa de estresse e se tornaram flácidas.

Psicoterapia de orientação bioenergética

A conduta da psicoterapia de tipo bioenergético, para fundamentar o indivíduo, visa a tornar a pessoa consciente de suas tensões musculares, ajudando-a a percebê-las. Para tanto, pode-se pedir a uma pessoa para fazer movimentos expressivos, que irão ativar áreas imobilizadas, ou pode-se produzir uma pressão seletiva nos músculos tensos para produzir uma liberação imediata.

A terapia deve levar a pessoa  a perceber: 1) que impulsos ou ações a tensão faz evitar inconscientemente, 2) como a tensão age para limitar sentimentos e excitações; 3) que efeitos a tensão produz no comportamento e nas atitudes.

Além disso, para que as tensões sejam liberadas adequadamente, é necessário que a pessoa alcance a compreensão das suas origens, entendendo a relação de suas atitudes corporais (padrões de tensão) com suas experiências de vida, especialmente com as de sua infância, de modo que os impulsos bloqueados pela tensão muscular sejam expressos no ambiente controlado da situação terapêutica. Estes são os objetivos do trabalho do psicoterapeuta.

Os sinais de sucesso da terapia

A orientação corporal da análise bioenergética fornece uma base visível e objetiva para as observações de diagnóstico e os progressos terapêuticos.

É possível observar nas mudanças do corpo do paciente as modificações de seus padrões de tensão muscular. Além disso, luminosidade no rosto e nos olhos indica fluxo maior de excitamento, como mais cor e calor nos pés denotam uma carga de energia maior, além de uma circulação melhor. Diminuição do arco alto e contraído do pé ou maior tonicidade muscular no pé chato são sinais positivos de enraizamento, junto com a maior mobilidade das pernas, denotando maior capacidade de relacionamento.

“Torna-se claramente evidente quando a mobilidade natural da pélvis é restaurada, abrindo sua conexão com as pernas. A onda respiratória pode ser vista passando por todo o corpo e indo para as pernas.”[5] Ao lado da observação do terapeuta deve-se prestar atenção às manifestações subjetivas dos clientes, que relatam estar sentindo suas pernas e pés de uma forma nova, com mais vida, com maior contato com o solo, e expressam estar mais ligados a seus corpos e a sua sexualidade.

Os exercícios de fundamentação/assentamento/enraizamento [6]

Existem dois mandamentos que, se observados, ajudam a pessoa a se manter enraizada.

O primeiro é manter os joelhos levemente flexionados todo o tempo e o segundo é deixar a barriga solta. Os joelhos flexionados absorvem os choques de carga do corpo (inclusive a carga psíquica das pressões psicológicas), impedindo que esta carga seja suportada pela musculatura lombar, o que poderia levar a distúrbios da coluna.

Por outro lado, a barriga “chupada” para dentro dificulta muito a respiração abdominal, forçando o estufamento do peito e interceptando as sensações sexuais pélvicas (de amolecimento e entrega), que transformam o sexo, de mero desempenho e descarga, em expressão de amor.

Lowen acredita que as pessoas deprimidas possam precisar da ajuda de um terapeuta para lidar com suas ansiedades, mas julga que elas podem fazer muito por si mesmas, para se assentar, praticando algumas posturas simples e exercícios, que são apresentados a seguir.

  1. Ficar de pé com os joelhos ligeiramente inclinados.
    Ficar erguido com os pés (sem sapatos) paralelos e separados (cerca de 15 cm), inclinando os joelhos para que o corpo se equilibre entre o calcanhar e a ponta dos pés (ficar erguido com os joelhos rígidos imobiliza toda a parte inferior do corpo). Os braços caindo relaxados ao longo do corpo; boca ligeiramente aberta, deixar a barriga para frente sem forçar (para não restringir a respiração). Costas retas mas não rígidas, nádegas e pélvis soltas e livres (esfíncteres relaxados).
    Permanecer nesta posição por dois minutos.
    O propósito do exercício é vivenciar pernas e pés, o que ocorrerá quando as sensações se desenvolverem em ambos. Tremores involuntários poderão ser sentidos nas pernas ou no corpo; eles são uma expressão do fluxo de sensações em seu corpo. Deixe que eles se desenvolvam até ficar confortável com eles. Quando a posição se tornar desconfortável ou dolorosa, mude para o exercício seguinte.
  2. Ficar de pé e inclinado à frente até tocar o chão com as mãos.
    Pés separados cerca de 25 cm. Artelhos ligeiramente voltados para dentro (para alongar alguns músculos das nádegas). Com os joelhos flexionados, incline-se para frente até tocar o chão com as pontas dos dedos das mãos (apenas para contato com o chão, mas todo o peso do corpo deve cair sobre a metade da frente dos pés e não sobre as mãos), a cabeça caindo solta. Estique os joelhos gradualmente (mas não totalmente) e dobre-os em seguida repetida e vagarosamente, até que alguma vibração se desenvolva nas pernas. Boca levemente aberta e respiração bucal (ajuda a perceber a vibração na respiração).
    Permanecer nesta posição movimentando-se por dois minutos.
    Esta postura, ainda mais que a primeira, tende a produzir vibrações nas pernas, aumentando nelas a quantidade de sensações. Todavia isto pode não ocorrer desde o início e pode ser necessária a repetição deste exercício para que ocorra. Tanto o primeiro como o segundo exercício aprofundam a respiração e aumentam a circulação nas mãos e nos pés (formigamentos e parestesias podem ser observados nas extremidades e são um sinal de respiração mais profunda).OBS.: com a prática regular destes dois exercícios, a pessoa que tem a postura de prender os joelhos, imobilizando assim pés e tornozelos, começa a assumir uma postura mais natural e flexível.
    Prender os joelhos faz parte do padrão de reação a uma situação de estresse (situação de emergência). Se uma pessoa mantém os joelhos habitualmente contraídos (em extensão) é porque se mantém em estado de emergência o tempo todo (distresse).A pessoa que “não aguenta firme” é tida como fraca. No entanto, se ela não puder desistir, entregar-se, abandonar-se e “desabar” em certas ocasiões, para desistir de conflitos desnecessários, ela está sujeita a atritos contínuos de suas energias vitais, que a destruirão. Lowen julga que é impossível enraizar-se no chão se estivermos excessivamente amedrontados pela perspectiva de um colapso ou de cairmos, pois este medo fará com que todas as nossas energias se dirijam para cima (para buscar algum sucesso que vá encobrir nosso medo de cair). Lowen descreve em sua obra[7] um exercício simbólico de “queda” e “rendição” que permite à pessoa vivenciar esta situação de medo (sentir-se caindo sem se machucar parece que libera alguma ansiedade profunda, podendo expressar-se em pranto).
  3. Variação do segundo exercício, para experienciar o centro vital do corpo.
    Adotar a postura do exercício 2 durante um minuto e, em seguida, encostar os pulsos no chão, dobrando completamente os joelhos, sem permitir que os tornozelos se levantem do chão. O peso do corpo vai para frente. Esta posição coloca muita tensão no músculo quadríceps das coxas e quando eles começam a se cansar  deve-se então deixar cair de joelho, assumindo a postura do exercício seguinte.OBS.: este exercício pode melhorar a condição física de pernas e pés, mas seu objetivo principal é fazer as pessoas vivenciarem o enraizamento de seu corpo na terra, ultrapassando uma percepção apenas intelectual deste propósito. Quando as pernas se cansam, podem começar a produzir uns movimentos vibratórios lateral, que é uma expressão de medo e não corresponde ao movimento vibratório natural, que, por sua vez, é resultante de pequenas oscilações ascendentes e descendentes (tremores rápidos).
    É importante respirar sem esforço e profundamente pela boca durante o exercício, para obter bastante oxigênio e manter a mandíbula relaxada. A posição agachada força o uso e a expansão do abdômen profundo para fazer uma inspiração completa e isto traz vida para a cavidade pélvica.
    Aexander Lowen cita outros exercícios para a mesma finalidade, tais como, sentar na posição de ioga, trabalhar a sola dos pés para excitar os músculos do arco longitudinal e outros exercícios em outras áreas específicas de tensão, para eliminar bloqueios de energia.
  4. Exercício de relaxamento e entrega
    Permanecer no chão, durante dois minutos, sobre os dois joelhos, com as mãos estendidas, juntas e espalmadas no chão, com a testa nas mãos.
    O valor simbólico da postura é que a cabeça (o ego) fica no chão, abaixo do nível do corpo. Ela permite uma respiração profunda na cavidade abdominal, assim como relaxar tensões nos glúteos e no ânus.

Exercício do arco

Parecido com o anterior, este exercício exerce certa pressão no corpo, para ampliar mais a respiração e colocar mais força nas pernas.

Ficar de pé, com os pés afastados 40 cm, mantendo os artelhos virados um pouco para dentro. Colocar ambos os punhos fechados com os polegares voltados para cima, na linha da cintura. Dobrar os joelhos tanto quanto for possível, sem levantar os calcanhares do chão. Arquear-se para trás, dobrando os punhos, mas com o peso do corpo sempre sobre o peito dos pés. Respirar profundamente (não empinar as nádegas para trás, nem empurrá-las para frente, para não interromper a energia que flui no arco do corpo, de cima até os pés.


[1] Ibidem, p.43-4.

[2] As sensações sexuais são geradas no ventre e se propagam por todo o corpo, englobando eventualmente as sensações genitais. São sensações de enlevamento (êxtase), premonitoras de um evento orgásmico, semelhante a um desfalecimento, com perda de consciência (como numa morte). Muitas pessoas reagem com um medo inconsciente dessa “morte” orgásmica e são levadas a reprimir inconscientemente suas sensações sexuais.

[3] “A íntima relação entre respiração, movimento e sentimento é conhecida da criança, porém é geralmente ignorada pelo adulto. As crianças aprendem que segurando a respiração é possível eliminar sentimentos e sensações desagradáveis. Elas encolhem a barriga para dentro e imobilizam o diafragma de modo a reduzir a ansiedade. Ficam deitadas quietas para evitar a sensação de medo. Elas  “amortecem” o corpo para não sentir dor (…) quando a realidade se torna insustentável, a criança se retira para um mundo de imagens (grifo do autor), onde o seu ego compensa a perda de sensação corporal através de uma vida fantasiosa ativa.” (in O corpo traído de Alexander Lowen, editado por Summus, São Paulo, 1979, p.20).

[4] Dois dos músculos mastigatórios: músculo pterigoide interno ou medial e músculo pterigoide externo ou lateral. A ação do primeiro consiste em fechar a mandíbula e o segundo é responsável por abrir, profundir e mover a mandíbula lateralmente.

[5] In  Alexander Lowen, “O corpo em depressão: as bases biológicas da fé e da realidade”, São Paulo, Summus, 1983, p.47.

[6] Os exercícios apresentados são descritos nos livros de A. Lowen já citados “O corpo em depressão”, p.47-55 e “Exercícios de bioenergética: o caminho para uma saúde vibrante”, p.19-34.

[7] A. Lowen “O corpo em depressão”, obra já citada, p.50-53.