Por Giulio Vicini
Mestre em Gerontologia, Psicólogo, Self-Healing Massage Practitioner/Educator
Velhos deprimem-se porque estão a caminho da morte? Porque são isolados de seu grupo de relacionamento, quando decidem ir viver numa instituição para idosos? Ou, pior, quando outros decidem isso por eles? Ou, ainda, porque alguma pessoa querida de seu relacionamento faleceu? Ou por quantos outros motivos?
Estudos sobre a prevalência de doenças em diferentes regiões e grupos sociais revelam que a depressão afeta numerosas pessoas de ambos os sexos, mas sobretudo mulheres, em qualquer idade e, também, na velhice. O psiquiatra Leonard Cammer disse, já há quase quarenta anos, que a depressão era uma ocorrência tão comum que podia ser considerada “perfeitamente normal”. Evidentemente, há exagero nesta afirmação, pois na verdade nem todos somos deprimidos. Todavia, a depressão expressa uma condição de vida bastante comum para as pessoas nestes últimos quarenta anos. Uma condição de vida, porque a depressão é algo mais duradouro do que episódios de dor, aflição, tristeza e desilusão, pelos quais passam as pessoas sãs, que, porém, na maior parte do tempo, se sentirão bem em suas relações, em seu trabalho e em seu lazer.
O que distingue a depressão de qualquer outro estado emocional, segundo Lowen[1], é a incapacidade de responder a estímulos. Enquanto a pessoa desanimada pode voltar a ter fé na vida, logo que mudarem as circunstâncias do momento que está vivendo, se a pessoa triste pode iluminar-se diante da perspectiva de alguma alegria, nada consegue fazer estimular uma pessoa deprimida; ao contrário, perspectivas de diversão e prazer podem torná-la mais deprimida ainda.
Para entender essas diferenças, Lowen compara a pessoa a um violino. Quando o instrumento está afinado, as cordas vibram sonoramente permitindo tocar qualquer música, alegre ou triste. Se tocarmos um violino desafinado, teremos um resultado musical desastroso, cacofônico. Mas se as cordas estiverem frouxas, sem qualquer tônus, o instrumento será incapaz de qualquer resposta musical, estará inerte, exatamente como a pessoa deprimida.
Evidentemente, esta incapacidade de responder a estímulos terá oportunidade de evidenciar-se mais nas pessoas profundamente deprimidas e em menor grau nas menos deprimidas (que os médicos chamam de distímicas). Estas últimas aparecem como “normais” ao olhar menos atento, pois conseguem desempenhar suas tarefas cotidianas ainda de forma competente. Mas elas têm consciência de sua depressão, queixam-se dela e são percebidas como deprimidas por quem convive com elas.
Não se pode confundir com uma pessoa deprimida uma pessoa que sofre uma desilusão por causa de uma perda econômico-financeira ou uma perda de oportunidade de trabalho ou de ascensão na carreira. Esta pessoa ficará triste, mas não imobilizada; expressará sua tristeza ou até raiva pelo acontecido, mas não perderá sua capacidade de reavaliar sua situação e de se dedicar a nova empreitada.
De forma semelhante, não há como confundir uma pessoa deprimida com alguém que encontra dificuldades ou tem falta de sorte ou mesmo sofre uma perda afetiva. Todas estas situações acarretarão sentimentos de tristeza que distinguem uma pessoa deprimida, justamente, por esta ser incapaz de expressar sentimentos. Uma pessoa enlutada por causa de uma perda afetiva, normalmente, expressa sentimentos de tristeza ou de raiva por causa desta perda. Segue-se o pranto, como expressão da dor que ela sente e tal manifestação permite que seu corpo se libere do bloqueio de energia que a dor lhe causou e que esteja novamente disponível para a vida.
A depressão não é uma emoção, pois representa justamente a falta de emoção. O que causa a depressão é a repressão da emoção. Quando nos obrigamos a frear alguma ação que julgamos inconveniente num determinado momento, estamos bloqueando um comportamento; temos, porém, consciência do desejo ou impulso que nos levaria a fazer algo e que afinal deixamos de fazer. O bloqueio ocorre na superfície do corpo, logo antes que ele se movimente; mas, seja o impulso como o sentimento que lhe é conexo puderam manifestar-se a partir do interior do corpo até à sua superfície, onde então a ação de resposta ao impulso/sentimento foi retida conscientemente.
Muitas vezes, porém, chegamos a bloquear a própria manifestação do desejo e do sentimento que o acompanha, pois ele é retido no interior do corpo e não chega à superfície: nossa musculatura, cronicamente em tensão, não deixa passar o sentimento e ele é rechaçado (reprimido) para dentro do corpo, a um nível em que não é percebido. Isto ocorre quando, por circunstâncias de nossa vida, somos levados a reter seguidamente as expressões de nossos sentimentos ou desejos; a parte de nosso corpo que seria sensibilizada pelos impulsos/sentimentos perde sua sensibilidade e nossa musculatura se contrai de forma crônica. Assim, tudo o que acontece nessa parte de nosso corpo escapa à nossa consciência e esta região se dessensibiliza, se desvitaliza. Cada parte do corpo dessensibilizada reduz a vitalidade de todo o organismo e é isso que ocorre na pessoa deprimida, até o extremo de parecer morta viva.
Mas depressão não significa uma situação de morte; ela pode ser considerada uma reação de nosso organismo para se reequilibrar, fazendo cessar um gasto excessivo de energia (atrás de ilusões ou de tentativas de vencer a apatia pela vontade, como veremos em seguida), dando assim ao corpo o tempo necessário para se recuperar.
Mas, o que produz a dessensibilização de nosso corpo? Lowen atribui este fato à perda do afeto da mãe. Tal perda provoca dor na criança, fazendo-a, então, reagir com um sentimento de raiva, a fim de tentar superar a contração muscular que a dor gerou em seu corpo. As sensações e a energia são retiradas da superfície do corpo (onde o prazer se manifesta) e retidas e concentradas no aparelho muscular, de onde elas podem ser descarregadas somente através de uma ação de tipo violento. Esta reação é uma descarga de raiva seguida de uma descarga de choro e soluços, após a qual é então possível ter de novo a energia disponível para as funções prazerosas do corpo. Se a descarga não se completar, o organismo fica biologicamente bloqueado quanto à possibilidade de nova busca de prazer.
Lowen julga que sempre existe uma mãe ausente na origem da depressão. Ausente por ter morrido ou ter-se ausentado fisicamente, por qualquer motivo, ou ausente por, embora presente, manifestar hostilidade diuturna para com a criança. Ou ainda, uma mãe ausente que não pôde ser substituída por nenhuma outra figura feminina capaz de satisfazer as necessidades afetivas e de contato corpóreo da criança pequena.
A perda do amor da mãe faz com que a pessoa deprimida sinta, ao longo de sua vida, necessidades que a mãe não pôde ou não quis (consciente ou inconscientemente) satisfazer: ter contatos corporais (inclusive chupar e ser aquecido), ser sustentado, ser objeto de atenção e de aprovação.
Na pessoa adulta, esses desejos insatisfeitos revelam-se em certos comportamentos, como incapacidade de ficar sozinho, medo da separação, excesso de loquacidade ou outras reações exacerbadas, habilidade para atrair a atenção dos outros contando vantagens ou de alguma outra forma, sensibilidade elevada ao frio e atitude de dependência.
Não é fácil explicar como uma pessoa aparentemente cheia de energia possa cair de repente num estado de depressão. Às vezes, isto ocorre depois de uma grande desilusão, do esvanecimento de um grande sonho.
Há uma semelhança entre pessoas deprimidas e dependentes de álcool, antes delas entrarem em depressão ou antes do alcoolismo tornar-se problemático para elas. Tanto o deprimido como o alcoólico, provavelmente manifestavam uma energia que depois viria a lhes faltar, porque a desenvolviam de forma compulsiva, como reação a seus problemas e não como expressão de sua vitalidade.
De repente, a compulsão cede e a falta de energia aparece claramente. Lowen pensa que o alcoolismo, assim como o uso de drogas, são uma forma de cobertura da depressão (se formos computar como deprimidos todos os que têm dependência de álcool e drogas, veremos que o número de deprimidos em nossa sociedade supera qualquer expectativa).
Todavia, é mais comum a reação de depressão manifestar-se sem a ocorrência de qualquer fato específico e, assim, a falta de energia aparece como a causa mais evidente deste estado de bloqueio das emoções.
O adulto ou o idoso que fica deprimido tem um histórico anterior de depressão, mesmo que imperceptível. A depressão não nasce na velhice; nasce na infãncia e se desenvolve de forma mais ou menos evidente, dependendo da gravidade dos acontecimentos que a geraram, das tentativas da pessoa para tentar superá-la e da possibilidade de figuras susbstitutas adequadas satisfazerem suas necessidades quando criança.
Uma perda afetiva ou uma contrariedade muito aversiva (como por exemplo ser asilado à revelia) podem ser episódios que desencadeiam uma depressão, mas não são sua causa.
Se a pessoa possui uma vitalidade normal sabe enfrentar qualquer contrariedade que a vida lhe apresenta, mesmo que passe por grande sofrimento. Mas isso é impossível para o deprimido, justamente por lhe faltar a vitalidade suficiente na hora das dificuldades. Desvitalizado, sem forças para reagir ou mesmo expressar seus sentimentos, o deprimido fica alheio à realidade da vida e se deixa viver ou até pensa em não mais viver.
Mas, como já foi mencionado anteriormente, na maioria das vezes não há motivo desencadeante aparente; tudo ocorre como se a linfa secasse de repente no corpo do deprimido.
Nem todas as pessoas deprimidas mantêm-se apáticas e alheias à vida o tempo todo. Frequentemente, as pessoas deprimidas parecem conseguir sair do fundo da depressão e retornar à vida, manifestando entusiasmo e euforia, ás vezes tão exaltados que os outros à sua volta julgariam excessivos. A pessoa eufórica é hiperativa, fala com rapidez, expressa suas idéias com facilidade e as solta quase como uma avalanche, manifesta uma autoestima à prova de contestação. Ela age como se fosse uma criança que, separada da mãe, espera excitada o momento de reencontrá-la.
Porém, a energia despendida pela pessoa deprimida para viver seu período de exaltação é apenas superficial, limita-se à cabeça e à superfície do corpo, onde se ativa o sistema muscular voluntário, que produz justamente a hiperatividade que lhe é peculiar. Esta energia remanescente no indivíduo dirige-se para a parte superior do corpo, com o objetivo de concentrar a atenção sobre a pessoa, numa tentativa de restaurar um sentido de onipotência infantil prematuramente perdido. A pessoa exaltada manifesta super excitação como se estivesse esperando por um acontecimento milagroso, capaz de realizar seus desejos mais profundos. Na pessoa deprimida e que periodicamente se exalta, a perda do amor da mãe nunca foi aceita como irrevogável. Por isso, continua esperando, que este amor lhe seja restituído. Esta pessoa, inconscientemente, considera os que estão à sua volta como substitutos da mãe e deles fica esperando que a amem, que cuidem dela, que a sustentem e a nutram.
Ocorre muitas vezes que estas pessoas não tenham condições de cuidar do deprimido como se ele fosse uma criança. Nenhuma pessoa adulta pode obter, de substitutos maternos, a segurança que não teve na infância. Ela deve obtê-la em si mesma, através do amor, do trabalho e da sexualidade. Assim, o interesse inicial das pessoas chegadas ao deprimido transforma-se mais ou menos rapidamente em incômodo, que logo as afasta dele .
O afastamento é interpretado pelo deprimido como rejeição; sua autoestima esvazia-se como uma bexiga furada e o eufórico cai na depressão. A energia que havia excitado as estruturas periféricas do corpo retira-se para o seu centro, na região do diafragma, do estômago e do plexo solar, onde fica retida. Por essas razões, há na vida de muitas pessoas deprimidas um alternar-se contínuo de estados de euforia e de estados de depressão.
Lowen constata que há amarras exteriores e interiores que aprisionam as pessoas nas garras da depressão. Em nossa vida diária podemos sentir-nos impedidos de nos expressar livremente na política, na família, na escola, no trabalho, nas relações sociais. A expressão de si mesmo é fundamental para que a personalidade de cada um se estruture e se manifeste.Tal expressão é basicamente um fenômeno corporal, pois consiste na manifestação de todos os sentimentos, dos quais o amor é o mais profundo. A pessoa tolhida constantemente em sua expressão de si acaba fechando seus canais expressivos e tornando-se vítima da depressão. Toda sociedade limita a expressão de si para obter coesão social, mas tais limitações são aceitáveis apenas se não inibem demasiadamente tal expressão.
Porém, a pessoa pode ter dentro de si mesma outras amarras até mais aprisionantes, frequentemente inconscientes ou racionalizadas, do que as externas. A pessoa percebe-se aprisionada por barreiras “daquilo que se deve ou não se deve fazer” e assim sente-se oprimida. Para libertar-se desta opressão, ela acaba construindo sonhos e ilusões de libertação. Estes sonhos geram projetos e metas a serem perseguidos. Entre os sonhos mais frequentes que muitos perseguem em nossa sociedade há os da riqueza, da fama, do sucesso e da beleza.
Dificilmente tais metas fazem bem para a interioridade das pessoas. Nem o dinheiro, nem a fama ou a beleza podem sozinhos oferecer as satisfações interiores que dão um sentido à nossa vida. Prova disso é que ricos e famosos também se deprimem. O verdadeiro objetivo de alcançar a fama e de ganhar dinheiro é a necessidade de ser alguém e isto geralmente revela uma grande falta de autoestima, que ocorre quando negamos a importância de nosso corpo. Então, faltando-nos uma imagem corporal satisfatória, nós precisamos construir uma outra imagem baseada na posição social, política ou econômica.
È muito difícil que uma pessoa deprimida consiga superar por si mesma o estado de depressão, pois ela, geralmente, não tem consciência de que seu problema maior está na falta de energia em seu corpo. Ela pensa que se trata de um problema de falta de vontade e talvez se martirize por causa disso. As pessoas que estão em volta dela também costumam achar a mesma coisa e pensam em ajudá-la estimulando-a a empenhar-se nos compromissos ou a procurar atividades supostamente prazerosas. No entanto, como o corpo da pessoa deprimida está desvitalizado e não está disponível ao prazer, esses incitamentos revelam-se ineficazes. Lowen julga que a vontade seja um mecanismo emergencial de grande valia para a sobrevivência humana, mas de nenhum valor para a obtenção do prazer, isto porque o corpo não funciona com base na vontade da pessoa, mas com os recursos de sua própria força vital inata.
Também ocorre que as pessoas que manifestam comportamento de alternância de humor – períodos de euforia seguidos de fases de depressão – não percebam que despendem suas parcas energias correndo atrás de sonhos (quando eufóricas), cujos projetos costumam estar fadados ao fracasso e não à solução de seus problemas.
Então, o que fazer?
Para a medicina, a depressão é um transtorno psiquiátrico de tipo “desordem mental”, caracterizado por várias manifestações, tais como, perda de interesse ou prazer por atividades antes prazerosas, humor deprimido durante a maior parte do dia, alteração significativa de peso (geralmente perda), alteração do padrão normal de sono, agitação ou depressão psicomotora, fadiga ou perda de energia, sentimentos de culpa ou inutilidade, dificuldade de concentração, pensamentos recorrentes de morte e suicídio e tentativas de suicídio. Tais características podem ser mascaradas no idoso e a depressão nele pode apresentar-se de formas atípicas (agitação psicomotora, hiperfagia[2] e hipersonia[3] ou ainda associada a delírios e alucinações (depressão psicótica); ela pode ainda ser secundária, ou seja, originada por alguma outra doença orgânica. Para afastar essa possibilidade, é sempre interessante submeter-se a diagnósticos médicos que indiquem que não há doença orgânica na origem da depressão.
Por causa do mascaramento dos sintomas e de sua atipicidade muitas vezes a depressão não é identificada pelos médicos não-especialistas, de forma que boa parte dos idosos deprimidos não recebe tratamento médico adequado.
Os médicos[4] dizem que quando o diagnostico da depressão é bem feito e o tratamento adequado, o prognóstico é de recuperação da maioria dos pacientes (entre 70 e 90%).
Não explicam porém o que entendem por “recuperação”: se uma volta à normalidade da vida, sob controle permanente ou não de remédios, e com a capacidade recobrada do prazer ou sem prazeres. Para eles é sempre necessário o tratamento com fármacos antidepressivos, mesmo nos quadros leves. Julgam também essencial, além dos medicamentos, um tratamento psicoterapêutico que envolva toda a família da pessoa deprimida.
Difícil é saber como combinar adequadamente um tratamento medicamentoso, frequentemente extenso no tempo e em doses elevadas, que condiciona o físico e o espírito da pessoa, com uma psicoterapia em que a personalidade do deprimido pode aparecer como “embaçada” ou alterada pelos efeitos dos remédios.
Mas, que tipo de psicoterapia funciona melhor na depressão? Segundo Lowen, é mais fácil e eficaz uma psicoterapia em que se trabalhe com o paciente no aspecto físico ou energético de sua personalidade que no aspecto psíquico ou de seus interesses, considerando que sua resistência a interessar-se ativamente pela realidade do mundo é enorme. Isso, pelo menos, no início do tratamento. Nem por isso o aspecto psíquico pode ser ignorado em todo o processo de recuperação da saúde.
Lowen assegura que qualquer técnica de ativação da respiração consegue melhorar o estado de ânimo do deprimido, porque a melhora da respiração aumenta a corrente de excitação corporal, conduzindo-o, em um período mais ou menos longo, a alguma forma de liberação emocional, geralmente através do choro ou da raiva. Este é o objetivo principal da terapia, considerando que a depressão decorre justamente da repressão das emoções; a abordagem corporal, permitindo efeitos imediatos, ainda no começo da terapia, revela ao deprimido que ele pode dispor de uma solução para seus problemas diferente da que ele já tentou sem resultados – a da superação de seus problemas pela força de vontade – implicando normalmente no esgotamento de suas forças corporais.
Para este tipo de psicoterapia é necessário procurar um terapeuta que siga a linha da análise bioenergética (www.analisebioenergetica.com.br; www.bioenergetica.com.br ; www.centroreichiano.com.br ). Na falta deste, outros, que lidam com psicoterapia corporal seguindo outras linhas de trabalho, poderão ser encontrados. Na falta destes também, pode-se combinar uma psicoterapia clássica, de tipo verbal, com exercícios de respiração e massagens para relaxar a musculatura do corpo, a fim de facilitar a expressão e os sentimentos da pessoa deprimida. Para isto, um terapeuta de Self-Healing de Meir Schneider pode ser procurado (www.selfhealingbrasil.com.br) ou então um terapeuta ocupacional ou massoterapeuta com boa disposição para descobrir como ajudar uma pessoa deprimida.
Todos os exercícios que aprofundem a respiração são úteis e os ambientes bucólicos que podem relaxar a pessoa e fazê-la respirar melhor também são indicados. O contato com a natureza é fundamental para a recuperação da vitalidade do corpo, tendo em vista que o que falta na nossa cultura também ao deprimido é a percepção de que ele é natureza e que a natureza nele é seu próprio corpo.
Qualquer terapia – e nisto incluo práticas adequadas de atendimento aos deprimidos por parte de seus cuidadores, para ter uma eficácia mais duradoura para a cura da depressão deve procurar superar o efeito aviltante e deformante da perda do amor. Todavia o terapeuta/cuidador não pode ser um substituto da mãe, mas sim ter atitudes como as de apoiar moralmente o paciente, dar-lhe segurança afetiva e confortá-lo, inclusive através de contato físico amigável.
Também, deve-se tratar o deprimido adulto como adulto e não como a criança que ele gostaria de continuar a ser, na vã esperança de recuperar o amor da mãe que não teve em criança. Deve-se reconhecer a criança insatisfeita nele, mas não satisfazer suas demandas de criança. O foco da terapia e dos cuidados deve ser a profunda alteração de seu funcionamento corporal, posto que esta é a realidade de seu ser.
Reclamar a perda do afeto da mãe não reconduz a vitalidade ao corpo do deprimido e o que importa é reconstruir o si (pela expressão dos sentimentos), desenvolver o pleno funcionamento do corpo e radicar-se na realidade presente (não nas perdas do passado ou em sonhos da irrealidade). Não faz sentido um adulto reclamar de desejos infantis insatisfeitos. Para Lowen, um adulto.não pode reclamar a não ser a perda de seu pleno potencial de ser humano.
É oportuno alertar as pessoas, quando em estado de euforia, para que se acautelem, pois logo se verão em dificuldade com as contrariedades e recairão na depressão. As fantasias não são um bom caminho para sair da depressão. Melhor é manter uma pessoa deprimida em contato com seus problemas: uma pessoa abatida está mais próxima do chão, portanto de seus problemas, da realidade e é do chão que ela precisa para reerguer-se em bases sólidas.
Muitos deprimidos esperam que a terapia ou os remédios libere de forma mágica uma reserva intacta de energia. É difícil para eles aceitarem que seu corpo precisa recuperar sua própria energia, quando se sentem fisicamente cansados, porque não atinam para o fato de que usaram suas reservas de energia por muitos anos sem renová-las e que, sobrevinda a depressão, estas reservas estão exauridas. Cabe ao terapeuta/cuidador fazer-lhes entender a necessidade de recomposição da energia do corpo e da condição de que isto apenas é possível com o devido tempo e o devido descanso.
Às vezes, a pessoa profundamente deprimida pode engendrar pensamentos suicidas e acabar de fato com sua vida. Além disso decorrer de um sentimento de profunda recusa de seu próprio corpo (ele não corresponde às suas imagens), geralmente pode também significar um ato hostil para com a família. De fato, a pessoa potencialmente suicida poderia achar que sua família não está à altura de suas expectativas e assim atribuir a ela sua profunda desilusão. Lowen revela ter ajudado suicidas potenciais a afastar de si ideias autodestrutivas, mostrando a eles este sentido de hostilidade. Tal comportamento costuma gerar sentimentos de raiva nos deprimidos. A hostilidade pode, então, extravasar de maneira menos destrutiva que não o suicídio, manifestando-se de forma mais branda através da raiva.
A liberação dos sentimentos negativos reprimidos permite que a reação de depressão vá relaxando a força de suas garras sobre o corpo do deprimido, levando também à melhora de sua autoestima, estilhaçada justamente pelos sentimentos negativos não expressos.
O deprimido costuma alimentar sentimentos de culpa: porque não age adequadamente, é um fardo para os outros, é uma “ducha fria” para o bom humor de qualquer pessoa.
A depressão aparece-lhe como a expressão de sua falência. O senso de culpa aumenta sua depressão criando um círculo vicioso do qual ele não consegue sair sozinho.
Lowen julga que o fato de considerar a depressão uma doença pode liberar o deprimido da parte superficial de seu sentimento de culpa em relação à depressão, diminuindo seu sentido de falência. O apoio do terapeuta/cuidador pode então surtir algum efeito para fazer mover o deprimido em direção à vida.
A fé na vida é transmitida pela mãe ao bebê, através do aleitamento e dos cuidados. O afeto da mãe, traduzido nas suas constantes atenções à criança, gera nela a fé na existência e constrói nela o sentimento de que pode se entregar à vida, pois suas necessidades serão satisfeitas. A criança adquire assim confiança no mundo e em si mesma como sujeito que tem direito de receber e de buscar a satisfação de suas necessidades. A criança que perde a fé na mãe, porque ela não está sendo capaz de satisfazê-la, perde também a confiança em si mesma, nas suas sensações, nos seus impulsos, no seu próprio corpo. Este, aos poucos, vai se fechando às sensações e aos sentimentos, para superar a dor que a perda do afeto da mãe lhe acarreta, e cria áreas corporais desvitalizadas, começando assim um processo de reação depressiva.
“O sentimento da fé é o sentimento da vida fluindo no corpo (…). Quando não há bloqueios nem constrições que perturbem ou distorçam o fluxo, o indivíduo experimenta em si mesmo, uma unidade e uma continuidade (grifo meu). Os diferentes aspectos de sua personalidade estão integrados, não dissociados. Não é uma pessoa espiritual em oposição a uma pessoa sexual (…).Sua sexualidade é expressão da sua espiritualidade porque é um ato de amor. Sua espiritualidade tem um sabor telúrico[5]; é o espírito da vida que ele respeita e vê manifestado em todas as criaturas da Terra. Não é uma pessoa cuja mente domine o corpo nem é um corpo que não tem mente. É uma pessoa que se reflete em seu corpo.
Mas de igual importância é o seu sentido de continuidade. Ele vem do passado, existe no presente, mas pertence ao futuro (…). Sem fé e sem estar ligado ao futuro a vida de alguém torna-se parada, como acontece com as pessoas deprimidas (…).
As pessoas com uma fé verdadeira se distinguem por uma qualidade que nós todos conhecemos. Essa qualidade é a graça. (…).” (Lowen, obra citada, p.218-20)
Saberemos que uma pessoa deprimida está readquirindo sua fé e, portanto, reconstruindo sua energia vital, quando percebermos que ela está em contato com seu corpo e consciente de seus próprios sentimentos. Poderá estar livre, então, de qualquer episódio importante de depressão.
[1] Neste artigo abordarei a depressão sob a visão da análise bioenergética, assim como magistralmente descrita por Alexander Lowen em seu livro “O corpo em depressão” (editora Summus).
[2] Hiperfagia é a ingestão excessiva de alimentos.
[3] Hipersonia é o aumento das horas de sono em ao menos 25%, durante um período de vários dias.
[4] Ver o artigo de João Batista Alves de Oliveira e Paulo Renato Canineu “Depressão no idoso: uma visão além do conceito médico”, no livro sobre “Envelhecimento e velhice-um guia para a vida”, vol II, da editora Vetor, 2006.
[5] Telúrico significa relativo à Terra.