Sábado, 28 de outubro de 2017.
PHILIPPE WATANABE, São Paulo.
Há uma iminente epidemia de miopia no mundo, e a explicação para o fenômeno só agora começa a ficar nítida.
“Na década de 950, um pesquisador da Escola Paulista de Medicina, meu pai, fez uma tese sobre miopia em índios. Descobriu que ela era extremamente rara entre eles”, diz Rubens Belfort Jr., da Academia Nacional de Medicina.
O oftalmologista afirma que hoje as taxas do problema em índios se assemelha ao padrão brasileiro. A explicação? Eles agora vão para a escola.
Segundo médicos ouvidos pela Folha, a doença – dificuldade de enxergar de longe – deve ser epidêmica já na próxima geração.
A luz entra pela córnea e é projetada na retina, que a transforma em estímulos elétricos, passando-os para o cérebro, onde a informação é decodificada.
Com o olho “achatado”, a luz que entra pela córnea e a imagem se forma antes da retina. Assim, objetos próximos são vistos normalmente, mas os distantes ficam borrados.
Mais de 3 vezes, com base em dados de 2010, será o aumento do número de pessoas com alta miopia até 2050, de 2,8% para 10% da população. Fonte: OMS.
Um recente relatório da OMS (organização Mundial da Saúde) estima que a miopia, em 2010, afetava 27% da população mundial. A projeção para o ano de 2050 é que a taxa chegue a 52%.
E há outros problemas. “Tem aumentado também a alta miopia. Ela traz problemas como descolamento de retina. glaucoma, e hoje é uma das doenças prioritárias para prevenção de cegueira”, afirma Milton Rutz Alves, do Hospital das Clínicas da USP.
Em 2010, a população com alta miopia – igual ou maior a cinco graus (o valor pode variar dependendo do estudo) – era de 2,8%. Para 2050, espera-se que 10% tenham o problema, o equivalente a 925 milhões de pessoas. “Isso vai levar a grandes custos, e não apenas e, óculos”, diz Belfort.
De acordo com o Mistério da Saúde, no Brasil a prevalência de miopia varia de 11% a 36% da população. A pasta diz que mais de 35 milhões de brasileiros apresentam alguma deficiência visual.
Se há certeza do crescimento, não há sobre suas causas. Há influência genética na miopia – etnias como a asiática, apresentam uma maior prevalência. Só isso, porém, não explica o aumento recente.
Fatores culturais, por sua vez, podem ser preponderantes. “A miopia está sendo induzida pelos hábitos de vida, que trazem transformações para o corpo todo”, afirma Newton Kara, oftalmologista do Hospital Sírio-Libanês e professor da USP. “Como as pessoas estão estudando mais, lendo mais cedo, usando computador, tablet, vendo desenhos no celulares. o fato de elas ficarem mais tempo enxergando de perto, poderia levar a uma modificação na visão.”
Segundo Paulo Schor, oftalmologista da Unifesp, existem evidências de que a leitura precoce por muito tempo em ambiente escuro, ao longo das décadas, possa agravar a miopia. É. o que explicaria o prevalência da doença entre alguns povos asiáticos de 20% para 8o% em algumas décadas.
Kara também diz que, com o processo de urbanização e acesso mais fácil a médicos, casos que antes não seriam descobertos, passam a sê-lo.
Outra possibilidade, segundo Wallace Chamon, do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, seria a baixa permanência de crianças ao ar livre. “Se você sai de São Paulo e vai para São Bernardo, a miopia diminui a medida que você se afasta do centro”, diz o médico.
Segundo a OMS, crianças que passam mais de duas horas por dia em locais abertos têm o risco de miopia reduzido, mesmo com dois pais míopes e exercendo tarefas que exigem visão próxima.
Outros cuidados, como impedir o acesso de crianças a aparelhos eletrônicos, são menos populares.
“É precipitado dizer que não é para usar tablet muito de perto. Eu aconselho é, de forma muito “light”, afastar um pouquinho —sem ficar muito obcecado com isso, sem forçar, porque isso poderia criar outros traumas”, diz Kara.
O que fazer para manter uma boa visão
Não se deve coçar os olhos repetidamente. A prática prejudica o órgão e ajuda a desenvolver uma doença chamada ceratocone, que leva ao progressivo afinamento da córnea.
Não se deve olhar o Sol diretamente por mais de dez seg., sob risco de causar dano à retina.
Ler com pouca luz ou ler muitas horas num ambiente escuro causam desconforto, mas não prejudicam a visão.
O mesmo vale para telas de celular, tablet ou computador.
Recomenda-se, durante a infância, fazer exames oftalmológicos com um ano e meio, com quatro anos e com seis anos.
Procurar um oftalmologista anualmente a partir dos 4o, idade na qual aumenta a incidência de glaucoma.